sábado, junho 11, 2005

Ilusões

Quando eu era criança eu tinha muitos sonhos.
Brincava sobre os meus sonhos.
Eu queria fazer faculdade (falava nisso desde os três anos),
queria um emprego, sair, passear, ter amigos.
Mas eu lembro de uma das minhas brincadeiras preferidas
(daquelas que eu só brincava quando estava sozinha, ou seja, brincava muito disso):
eu imaginava que eu tinha uma família, daquelas bem tradicionais;
"papai, mamãe, filhinhos, filhinhas."
Eu até tinha me esquecido o quanto eu brincava disso.
Nos últimos meses essa lembrança tem voltado seguidamente.
Nos meus sonhos e brincadeiras, meus pais gostavam de mim do jeito que eu era,
não ficavam tentando me consertar o tempo inteiro,
não passavam a maior parte do dia me criticando e reclamando que eu falava alto demais,
que eu não sabia me comportar, que eu não obedecia, q eu me fazia de surda,
que eu não conseguia entender que eu tinha de ser responsável.
Eles não se incomodavam se eu era muito sincera,
se tudo que eu pensava ficava estampado na minha cara,
até achavam legal que eu fosse assim.
Gostavam que eu desse gargalhadas escandalosas.

Eu ganhava tanto carinho dos meus pais imaginários ...
Eu tinha irmãos e irmãs, e adorava todos eles e ganhava muita atenção de todos.
Tinha com quem conversar, para quem fazer perguntas, com quem brincar,
tinha uma casa grande e espaçosa, podia pular, gritar, dar gargalhadas
e todo mundo achava isso legal.
Tinha um cachorro e não tinha medo dele.
Havia árvores na minha casa e eu subia nelas para ver o movimento da casa e da rua.
Eu tinha uns irmãos mais velhos que já tinham filhos e eu podia cuidar dos filhos deles.
Eu me sentia feliz, quando eu tava nesse mundinho de brinquedo que, na verdade,
era realizado pelas minhas bonecas.

Era muito maluco, pois muitas vezes, quando eu ficava muito triste,
eram estes sonhos que me davam uma esperança de que algum dia,
eu ia ter tudo que eu desejava e eu ia ser bem feliz.

Depois eu fui desistindo.
Não tinha como fazer isso.
Meu mundo não tinha irmãos e irmãs,
meu pai nunca estava comigo
e quando estava me criticava, implicava.
Minha mãe parecia nunca ficar satisfeita com nada que eu fazia,
se eu fosse muita inteligente, ela se incomodava;
se eu fosse menos esperta do que ela queria, ela também se incomodava.
Parecia que eu nunca acertava a medida, nunca era o suficiente.
Eu tinha que entender que eu não tinha isso e ponto final.
Um dia ... depois de uma briga com meu pai, eu desisti.
Fiquei chorando, deitada no sofá, e passou pela minha cabeça que não adiantava nada.
Não estava incluído no meu pacote de vida a família que eu tanto desejava.
Eles não gostavam de mim, e era isso.
O mundo real, não tinha espaço prá ficar acreditando, tendo esperanças.

Mas quando eu conheci a igreja, isso reacendeu.
Eu era adolescente, tava com muita raiva dos meus pais,
principalmente do meu pai.
Tinha raiva, nojo, ressentimento, ódio.

E os missionários chegaram falando que as famílias podem ser eternas,
e que, se a tua família de origem,
não era legal, não fazia o que Deus queria que elas fizessem,
tu podia construir a tua família legal, obedecendo a Deus,
e ser adotada por uma família que tivesse seguido o evangelho
e fosse considerada merecedora da exaltação.
Eu podia ter outra família.

Nem eu me lembrava do tamanho da esperança que isso acendeu dentro de mim.
Dia desses que eu senti, o quanto aquela promessa tinha impacto nos meus sonhos.
Existia uma luzinha no final do túnel, uma chance,
de que eu, por minha própria conta, sem depender dos meus pais,
conseguisse construir a 'minha família feliz'
(como num hino da igreja em que as crianças diziam:
"A mamãe é um amor/
papai é trabalhador/
somos pois como se diz/
uma família bem feliz/
Minha irmã é uma flor/
meu irmão é protetor/
somos pois como se diz/
uma família bem feliz!")

Eu assimilei tudo que eles me ensinavam,
na esperança de ter uma família conforme a dos meus sonhos.
Lia escrituras, fazia seminário, instituto de religião,
dava aulas para crianças e adultas,
estava envolvida em tudo.
Me esforçava, queria que Deus me desse "o grande prêmio":
minha família eterna.
Eu topava qualquer negócio prá atingir o meu maior sonho.

Quando eu me casei e todas as minhas projeções,
imaturidades e regressões vieram com tudo,
e eu vi que não era tão simples assim,
e a relação não deu certo;
eu perdi as esperanças, de novo.
Eu desisti, de novo!

E sempre que eu começo a me mover prá fazer diferente,
prá acreditar, eu sinto que essa desesperança,
essa falta de confiança que algo possa ser legal,
essa sensação de que não vale a pena,
eu não mereço, não sou capaz, não sei fazer,
e um monte de coisas que me coloca muito prá baixo,
aparecem na minha cabeça, gritando,
me dizendo que nem vale a pena começar.
Como a minha cabeça grita, tagarela.
O tal do 'ego' é um saco!

Se eu der muita confiança para as idéias ruins que me vem,
eu nunca vou sair de dentro de casa.
Eu nunca vou me divertir, eu nunca vou comemorar,
eu nunca vou confiar, celebrar ou qualquer coisa legal.
Tem um gravador dentro da minha cabeça dizendo que 'NAO VALE A PENA!!"
E daí eu acho tudo difícil e paraliso,
e toda a energia ao meu redor,
paralisa,
fica uma engronha.

Eu tô com muito medo de enfrentar o novo!!!!
Mas, e se eu ficar nessa mesma coisa da vida inteira,
eu não vou para lugar nenhum.
Eu não quero me dar, me doar,
tô com medo, de ser julgada, machucada, me fuder.
E ao mesmo tempo, eu quero tanto amar,
confiar, acreditar em mim, nas outras pessoas.
Eu já conheci umas pessoas tão legais, tão amorosas, que me dão tanto.
Eu fiz uma nadabrama,
que mexe com essa coisa de dar e receber,
e eu me senti tão oprimida.
Eu ainda não quero me entregar, confiar.

Eu já fiz várias coisas prá crescer, mas acho que agora,
a história é mais profunda e a coisa de desistir,
de me sentir incapaz, de acreditar nessa incapacidade,
quer me pegar de todo jeito.
Eu quero me fazer de coitadinha, sem condições de lidar com a situação.
E EU ACHO UM SACO
ASSUMIR ESSA COISA DE VÍTIMA
COMO SE FOSSE A ÚNICA COISA QUE EU SOU!

Tá incluído no pacote, olhar essas coisas.
E continuar me movendo na direção do que eu preciso.

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