segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Hoje eu recebi umas fotos ...
Fotos de uma velha amiga, que pertenceu ao grupo de amigos do meu "passado branco".
(Preciso esclarecer: é dessa forma que eu me refiro ao meu tempo na IJCSUD:
o meu passado branco.
Enquanto a maioria das pessoas fala do seu passado negro, eu inverto a expressão.
Tudo era branco, deveria ser imaculado, mas na verdade me parecia infeliz e sem vida,
por isso a opção pela expressão inversa).

Eu quase nem me reconheço nas fotos, mas sou eu, o "eu" daquele momento.

Tentando .. se esforçando prá se enquadrar... prá ser "normal" ... prá ser feliz
vivendo daquele jeito e acreditando que aquilo me faria bem prá sempre.

Eu estava procurando segurança.

A segurança que não senti na minha infância, eu procurei na igreja.
O conforto que eu não encontrei nos meus pais, eu construí ...
através do evangelho de Jesus Cristo.
E eu gostava daquelas pessoas.
Não estava mentindo, ou encenando.
Eu realmente gostava de várias delas: da Cema, da Zazá, Jackinha, da Charlene, do Careca,
Weiss, Bela, Mauricio, Tiago, Felipe, Leozinho, Dodô, Zera, da Coca, da Sandrinha,
Totonho, Jéferson, Shei, Ester, Gil, etc., etc., etc., etc pois se eu começar a citar
nomes aqui .. o rosário não vai acabar tão cedo.
Eu não esqueço deles.
Nenhum dia.
Lembro das músicas, das orações, dos discursos, dos ensinamentos.
Eu não os esqueci.
Apenas ... não acredito no mesmo que eles.
Essa é a parte dura de ter uma memória que sempre traz as lembranças de volta.
Mas eu não quero estar lá, vivendo aquela vida que me fazia sentir incapaz sempre.
Pois fazer tudo que era orientado: no mínimo três orações por dia, abençoar todo o alimento que eu fosse ingerir, ler as escrituras diariamente, fazer exegese e compreender a escritura, fazer seminário, instituto, dar aulas aos domingos, visitas de professora visitante, visitar as crianças e suas famílias, ou as moças, ou ir na reunião de integração, fazer reunião familiar, receber os novos membros e visitantes, ser missionária de estaca, fazer genealogia, etc., etc. e etc.
E nunca fazer tudo.
Aquilo me deixava mal, me sentindo a última das criaturas.
Mas eu me esforçava.
Eu acreditava que aquilo era o correto.
Era o lugar onde eu poderia ser amada, enfim, como eu sou.
Mas, então, vieram as necessidades de cumprir metas, dividir estacas, abrir novas alas,
fechar cotas de missionários por ala, e eu fui ficando farta.
Se eu tivesse sido honesta com os meus sentimentos, teria ido embora uns bons 8 anos antes.
Eu fui ficando farta, de não poder questionar, pois quem questiona 'está com espírito de contenda e a contenda é do demônio."
Eu fui ficando farta do meu bispo chamar na reunião sacramental para minha conselheira na organização que, teoricamente, eu presidia, uma pessoa que eu não queria prá trabalhar comigo.
Fui ficando farta da esposa do presidente da estaca que contava aos quatro ventos
que comia uma lata de condensado por dia (sinal absurdo de depressão mais que profunda)
fingindo que era feliz e que estava acima dos reles mortais.
Eu fui ficando farta dos ex-líderes de grandes cargos com a síndrome de eu posso certas coisas erradas pois "eu sou um líder".
Grande merda!!!!
Eu fui ficando farta das tentativas escandalosas de me mandar prá missão: que eu deixei de sentir o desejo de ir conforme as minhas amigas foram retornando (amargas, céticas, duras).
Cansei de ver mulheres sendo casadas com homens de quem a liderança suspeitava da masculinidade para 'resolver' um futuro problema em potencial.
Eles não se importavam no que isto implicaria na vida dos dois,
queriam apenas empurrar um problema prá baixo do tapete.
Se eles seria felizes? Quem falou em ser feliz?
O fato de casar vai fazê-los felizes.
Solucionará todos os problemas (de todos os envolvidos).
Cansei de mulheres fortes e inteligentes se subterem a amebas ambulantes
que eram ex-missionários, e com eles casarem para viver vida de mendigas.
Afinal de contas, como o cara era ex-missionário e foi para a missão numa ostensiva barganha com Deus, ele seria abençoado com um maravilhoso emprego (apesar de não ter qualificação nenhuma). Proliferavam os zeladores, caseiros e porteiros naquela geração.
Eu esgotei de tudo, dia a dia, pouco a pouco e quando eu me dei por conta, eu não confiava mais.
Eu não queria mais que ninguém soubesse nada de mim.
Eu queria que a igreja explodisse mas que parassem de se intrometer na minha vida.
Foi com esse espírito que eu me mudei para a ala de Nonoai, no fim do meu casamento.
E as coisas absurdas que eu vi, em São Leopoldo, Nonoai, Restinga, ou qualquer lugar ...
estavam cobrando seu preço.
Quando minha separação estourou e todas as fofocas que a acompanharam,
eu queria tudo, menos estar na IJCSUD.
Eu não via amigos ou irmãos.
Via sanguessugas se alimentando da dor alheia.
O tom de quem queria saber da última fofoca.
De quem se realizava em saber que não era o único a ser infeliz.
Mas eu ainda me enganei por algum tempo.
Achei que voltaria.
Nunca mais quis voltar.
Nunca mais quis pertencer aquele ambiente podre, e como dizem as escrituras,
"caiado de branco por fora, mas completamente podre por dentro."
Por isso o meu passado branco.
Eu estava ficando igual.
No piloto automático, sem emoção, sem amor a nada.
Cansada.
Sugada e vazia.
Ouvindo várias e várias mentiras e tentando fingir que aquilo não me incomodava.
Eu ficava vendo homens que um dia eu tinha admirado, mas que não conseguiam ter respeito por ninguém, mas ... no púlpito eram ótimos maridos e pais.
Não sei a quem eles pensavam que enganavam ...
Fui eu que dei aula para os filhos deles e vi a tristeza e solidão daquelas crianças.
Eles não conseguiam amar ninguém.
Quanto mais a mim, que era um ser avulso lá dentro.
Eu era um número, uma meta, uma missionária em potencial, uma líder, uma voz no coral.
Uma obrigação.
Eu não queria ser isso.
Eu não quero sentir isso pelas pessoas: uma mera obrigação.
Agora eu sei, que as pessoas de quem eu ainda gosto,
e que não tem mais nada com o meu presente, eu, realmente, gosto.
E aquelas pessoas que eu não gosto, eu não tenho obrigação de fingir nada.
Não pertenço mais ao elenco deste teatro.
As fotos me trouxeram essas lembranças.
De tudo de podre que há no reino da igreja.
Mas tem um monte de gente lá dentro, se enganando como eu.
E como muito mais resistência a se enganar do que eu.
E que de tanto esforço consegue dar amor, cuidado, mas que pensam que só tem isso para oferecer por que pertencem a igreja.
Eles nem imaginam que a capacidade de amar é inerente a eles.
A Igreja, felizmente, nada tem com isso.
Eles são pessoas amorosas, graças a existência.
As religiões deveriam erigir monumentos a estas pessoas.
Sem elas, as religiões desmoronariam rapidamente.
Mas as pessoas amorosas, fortes e carismáticas, porém sem noção da própria força, as mantém vivas.

Um comentário:

Angela disse...

Olá,
são quase 4h da manhã aqui em Portugal. Sou membro da igreja há 33 anos.
Acabei de ler o seu blog "Noite de Amor". Procurava na net algo sobre metas para falar no próximo Domingo na Soc Soc.
Não resisti em escrever-lhe para lhe dizer que a compreendo.
Não posso deixar de lhe dizer que eu sei que a IJCSUD é divina e que nós, apesar de buscarmos a perfeição não somos perfeitos.

Querida irmã sente-se feliz agora depois que tomou essa decisão?

O senhor a ama e certamente se preocupa com todos nós.
Não conto muito, e nem quero depender do amor de seres imperfeitos.
No Senhor eu confio nos humanos não.
Comprendo os humanos porque tb sou humana e isso me basta para tolerar certas coisas que tb vejo, sinto, e que tb me desagradam em certos membros da organização.
Prezada irmã seja feliz mas nunca se esqueça que é uma filha de Deus e que ele sem dúvida a ama.
Um abraço aqui de Portugal.
Ângela Dionísio Ex Sister Zacarias na missão S. Paulo Sul

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